Não sinto nada. É possível que eu não saiba sentir mais
nada. E se soubesse, não reconheceria.
Acho que passa, deve passar. E se não passar, acostuma-se.
Não sinto nada. Não consigo sentir nada. Nem tristeza, nem
alegria. Nem amor, nem ódio. Nada. Qualquer um que passe na rua a zombar de mim
não ganhará nada, nem um choro de quem é ofendido, nem um tapa de quem não
atura ofensas.
Não sinto nada. Se me disserem que sou feia, não me olharei no
espelho, me indagando sobre a afirmação. Nem rirei, achando graça de tal
absurdo.
Nem o frio, nem mesmo ele, companheiro querido das noites de
julho, posso sentir. É uma estação que não é fresca, nem quente. Nem tampouco
poética como o outono, nem mesmo colorida como a primavera.
Dou um trago, afim dê que alguma substância contida naquela
bebida me de alguma emoção. Mas é tão ridículo quanto me beliscar só pra ver
ser dor ainda sinto, mas nem isso.
Coloco uma música triste, olho a foto de um falecido, leio
sobre a situação das crianças de Serra Leoa, e nem assim. Nenhuma lágrima,
nenhuma mágoa, nenhuma nostalgia, nenhum sentimento de pena me abala.
Leio uma antiga carta de amor, assisto o jornal, um filme de
Almodóvar, leio Pessoa. E nem assim.
Espero que passe. E se não passar, eu vou passando.