sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Revolta da Vênus de Milo


Você me deu um anel de ouro. Disse que ele era para selar nosso compromisso.
Ai você me expôs num pedestal, num quadro. Para que todos pudessem me ver.
Você me enquadrou, de forma que eu coubesse dentro do seu quadro pequeno e mal pintado.
Meu nome não é Gioconda. Você não é Da Vinci. Definitivamente.
Oi, não sou estátua. E tanto não sou que estou tirando esse anel cafona do meu anelar esquerdo. Cansei dessa janela inútil onde vejo um mundo que não me pertence, mas me quer alucinamente. Como um dia você pareceu me querer. Talvez queira. Mas para enfeite.
E enfeite não se usa. Enfeite depois de um tempo enjoa. E meu amor, eu não nasci pra isso. Eu já não gostava dos bibelôs que vovó tinha na sala, e olha que ela era uma velhinha bem parceira. Então só para seu governo. Pare com isso. Ou vai se arrepender. Não é uma ameaça. É um aviso. Todo ser humano é passível de erro, mas a permanência é o que transforma a gente em estátua. Querido, eu errei ao achar que você iria arrancar a minha roupa, e conversar horas a fio comigo no banho. Mas cansei dessa histórinha de boa esposa que faz bolinhos e recebe os amigos em casa na sexta a noite.
Porra! Não dá mais pra mim. E essa baboseira de que você se intimida com a minha beleza é a desculpa mais esfarrapada da vida.
Me trate como mulher, humana, carne, osso, sangue, sexo. Sem mármore, sem tinta, sem tela. Eu. Aqui. Ou então, a Vênus aqui vai jogar a aliança no ralo.

Um comentário:

Gabriel Zambrone disse...

Pelo o que eu sei, a única aliança que a Vênus tem que ter é com o bel-prazer e bel-amor, mas não com a insolência de certos capatazes da incopetência. Prazer, Marte.