domingo, 18 de agosto de 2013

Sodade di Cabo Verde

Um dia eles vieram
nos ensinar música.
Era a música de Cabo Verde.
Ele pegou o pandeiro,
eu peguei a colher.
E juntos fomos tocar.

Sodade.
Era a música em Criolo.
Eu quis aprender a língua.
Ele foi aprender o ritmo.
E juntos aprendemos.

Nos ensinaram que
música se nasce em
África.

E África se musica demais.
Ele tocava violino.
E entendeu que música
se faz com alma.
Eu escrevia português.
E entendi que verso
se faz com canto.

Ele arrebentou
as cordas do violino.
Eu joguei fora
o grafite.

E juntos dançamos.
E juntos cantamos.

"Terra pobre chei di amor
Tem morna tem coladera
Terra pobre chei di amor
Tem batuco tem funaná"


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Insanamente eu e você

Ouvi dizer que você tinha ficado louco. 
Me disseram, ao te ver, que desvanecera. 
Eu quis ver de perto, essa loucura. 
Então, eu quis ficar. 

Você não sabe, mas é a falta que você sente
E o propósito que você não enxerga
E esse olhar flutuante 
que me fazem ficar. 

E fico, porque a sua insanidade 
É a verdade que eu buscava a vida inteira
Somos surrealistas. 
Vivemos sonhos. 

E esse profundo sonhar 
E essa transfiguração de realidade inerte
E essa mão 
E esse peito

E toda essa loucura. 

Eu e você. 
São. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Amores que enfrentam o preconceito, desafiam a morte


Nós éramos um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda. Tínhamos um ao outro, e eu tinha ainda mais a ele.  E nós somos ainda, como quem nunca deixa de ser, almas irmãs. Foi porque eu nasci do lado dele, e porque nós nunca haveríamos de nos esquecer que não importa quem morre, importa viver eternamente do lado do outro, mesmo que só em amor.
Poderia ter sido Aids, mas não, foi outra coisa. Era uma coisa pior, mais tenebrosa, mais cruel. Foi falta de amor, daquelas que você reza a vida inteira para nunca presenciar. Foi nunca ter olhado nos olhos.
Era uma manhã seca de maio, outono que sempre foi minha estação favorita por causa das cores saturadas, de repente, virou preta e branca. O tinham descoberto. Tinham lhe tirado a máscara, e ele ficou nu.
Senti um frio estranho, como se tudo que tivesse se sucedido depois se revelasse ali. Mas a minha sensação foi de alegria, afinal, quem poderia imaginar? Eu deveria, mas que tola, eu só queria saber de paixões vazias e esquecera-me de olhar com calma.
Ele jamais confirmaria, mas para mim bastou um olhar.
Conduzir a carruagem à caminho do Império de Portugal. Mande o que queres esconder para o velho mundo, talvez passe.
Quando a gente é uma coisa isso não passa. Ser estúpido é uma delas, e as pessoas são tão estúpidas.
Mas foi no verão do Império, que o frio passou, e o sol saturando as cores portuguesas nos renderam boas afirmações de conduta.
Arrasaremos, juntos, pois afinal, quem poderá nos proibir?
E assim fizemos.
Existimos, enquanto outros se contentavam com suas medíocres vidas humanas. Transgredimos as regras da camaradagem, criamos algo chamado amor-fraterno-poético-libertino.
Saímos das grades do preconceito. E eu que não precisava de nada disso, fui ser livre com ele.
De tanta liberdade, ele evaporou. E eu fiquei.
Fiquei porque precisava continuar, e continuo.
Quando a mão esquerda treme, ainda sinto a direita, fantasma, segurando a tremedeira e dizendo:
Vai, porque não é proibido arrasar.