Nós éramos um acordo
íntimo, como a mão direita e a esquerda. Tínhamos um ao outro, e eu tinha ainda
mais a ele. E nós somos ainda, como quem
nunca deixa de ser, almas irmãs. Foi porque eu nasci do lado dele, e porque nós
nunca haveríamos de nos esquecer que não importa quem morre, importa viver
eternamente do lado do outro, mesmo que só em amor.
Poderia ter sido Aids, mas
não, foi outra coisa. Era uma coisa pior, mais tenebrosa, mais cruel. Foi falta
de amor, daquelas que você reza a vida inteira para nunca presenciar. Foi nunca
ter olhado nos olhos.
Era uma manhã seca de
maio, outono que sempre foi minha estação favorita por causa das cores
saturadas, de repente, virou preta e branca. O tinham descoberto. Tinham lhe
tirado a máscara, e ele ficou nu.
Senti um frio estranho,
como se tudo que tivesse se sucedido depois se revelasse ali. Mas a minha sensação
foi de alegria, afinal, quem poderia imaginar? Eu deveria, mas que tola, eu só
queria saber de paixões vazias e esquecera-me de olhar com calma.
Ele jamais confirmaria,
mas para mim bastou um olhar.
Conduzir a carruagem à
caminho do Império de Portugal. Mande o que queres esconder para o velho mundo,
talvez passe.
Quando a gente é uma coisa
isso não passa. Ser estúpido é uma delas, e as pessoas são tão estúpidas.
Mas foi no verão do
Império, que o frio passou, e o sol saturando as cores portuguesas nos renderam
boas afirmações de conduta.
Arrasaremos, juntos, pois
afinal, quem poderá nos proibir?
E assim fizemos.
Existimos, enquanto outros
se contentavam com suas medíocres vidas humanas. Transgredimos as regras da
camaradagem, criamos algo chamado amor-fraterno-poético-libertino.
Saímos das grades do
preconceito. E eu que não precisava de nada disso, fui ser livre com ele.
De tanta liberdade, ele
evaporou. E eu fiquei.
Fiquei porque precisava
continuar, e continuo.
Quando a mão esquerda
treme, ainda sinto a direita, fantasma, segurando a tremedeira e dizendo:
Vai, porque não é proibido
arrasar.
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