sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A agonia de ser eu

Quando eu era criança, eu tinha a ilusão de que viver era indolor.
Mas me despi delas. Venho chamar aqui na sua porta, pra te dizer que ta chovendo muito, e eu tenho medo de trovão.
Aqui estou, palavras, vozes e cicatrizes.
Eu queria ter menos, eu queria ser menos. Sentir menos.
Talvez não estaria acompanhada desse céu, dessas estrelas, eu sei.
É raro ter companhia quando se é assim.

Eu já fui tanta gente, e tive que me achar nesse mundo todo.
Dói, dói ser o que se é. Se assumir, com a transparência e a loucura de se contradizer. De dizer demais.
Mas, quando chove, quando as estrelas somem, eu sinto falta de você. Seja você quem você seja.

Você me encontrará em cada coisa que eu tenha vivido.
Porque você existe.
E eu aprendi a existir, também.

Minha agonia é uma proposta.
E talvez seja você que me acompanhe.
Me acompanhe nessa agonia de não se esconder.

Eu proponho que você me conheça.

Mas eu não deixo de ser eu. Porque eu já não quero mais ser todo mundo.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Chegou uma carta que dizia: em minha pátria não há justiça

As estrelas tiritavam no alto céu, como uma promessa de outros mundos.
E o vento soprava forte e fresco. Acalmando a pele ardida do sol forte.
As mãos estavam vazias, e então a carta apareceu. Gritando forte aquilo que meu coração já estava cansado de saber.

Não, aqui na minha pátria não há justiça. Os famintos pedem pão, e bala lhes dão a polícia. Mas eu não tenho fome. Tenho medo. O medo do conteúdo da carta, dos meus irmãos presos, dos meus irmãos soltos.

É um privilégio viver, paradoxalmente me dizia a carta, porque aqui se mata a sangue frio. Olhei para as estrelas, e agradeci ao privilégio, mas meu coração doeu. Nem todos tem privilégio, e se viver é um privilégio, de que justiça falamos?

Senti frio. Por que essas promessas residem tão longe?
Em que mundo morará a justiça? Em que estrela dorme a igualdade?
Será que em alguma estrela dessas dançará a liberdade?

Mas a carta ia amassando, e as nuvens cobriram as estrelas, e o vento parou.
Violeta me disse, a vida já te deu muito. E lá mora Violeta, em uma dessas estrelas, junto com a liberdade, a justiça e a igualdade.

E eu sonho, de um dia encontra-las sem virar estrela.


Joguei a carta no lixo. E fui criar o que não existia.