Não consigo dormir,
já não consigo dormir há dias.
Não é barulho, é
agonia.
O gato preto que me
faz companhia apaga ao pé da cama.
Eu levanto, enrolo o
tabaco e encosto na sacada pra fumar.
Penso ser este o único
momento verdadeiramente vivido no meu dia.
Aquele – entre duas e
três da manhã – ali, na sacadinha que dá pra rua que não passa ninguém.
Um homem passa
apressado com medo da madrugada.
Por que o escuro
causa tanto medo?
Saboreio no tabaco
todas as paixões que não vivi no meu dia.
Todas as comidas que
engoli, todos os olhares que evitei.
Não vivi – digo a mim
mesma.
E a fumaça do cigarro
se espalha no infinito.
Estalou alguma coisa
no quarto, fui ver.
Não era o gato. Não
era ninguém.
Era o barulho da
minha alma se alongando.
Tenho atrofiado a
alma.
E cigarro faz tão
mal.
Deito na cama e penso:
insônia é alma desperta.
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