quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Insônia

Não consigo dormir, já não consigo dormir há dias.
Não é barulho, é agonia.
O gato preto que me faz companhia apaga ao pé da cama.
Eu levanto, enrolo o tabaco e encosto na sacada pra fumar.
Penso ser este o único momento verdadeiramente vivido no meu dia.
Aquele – entre duas e três da manhã – ali, na sacadinha que dá pra rua que não passa ninguém.
Um homem passa apressado com medo da madrugada.
Por que o escuro causa tanto medo?
Saboreio no tabaco todas as paixões que não vivi no meu dia.
Todas as comidas que engoli, todos os olhares que evitei.
Não vivi – digo a mim mesma.
E a fumaça do cigarro se espalha no infinito.

Estalou alguma coisa no quarto, fui ver.
Não era o gato. Não era ninguém.
Era o barulho da minha alma se alongando.

Tenho atrofiado a alma.

E cigarro faz tão mal.

Deito na cama e penso: 
insônia é alma desperta. 

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