Você já quebrou um sonho?
Já ouviu o barulho que faz?
Não, não parece com vidro.
Não parece com ferro.
É carne.
A matéria do sonho é demasiada humana.
É sangue.
A forma do sonho é homem.
Você já matou um homem?
É menos cruel do que matar seus sonhos.
Mas os cacos de sonhos apareciam pela cidade,
e ninguém os enxergavas.
É matéria invisível a maioria.
Só os que conseguem enxergar na cegueira da cidade
tentam - sem sucesso - os colar.
Pisei num caco desses, ficou encravado na sola do meu pé.
Agora eu carrego o sonho da cidade.
Dói.
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. - Fernando Pessoa
domingo, 28 de julho de 2013
sábado, 20 de julho de 2013
Crônica da Cidade do Porto
Era
de manhã quando chegamos à Estação de Sáo Bento, a névoa gélida de janeiro
fazia seu papel. E os humores do inverno a seguiam. Fomos andando até a
escadaria que dá pra rua, e lá pegamos um táxi. As malas que traziam de Lisboa
fotos, livros e a saudade dos dias mais quentes do sul pesavam que nem chumbo.
Ele
entrou primeiro no táxi, me deixou a colocar as malas no bagageiro. E ao passo
que eu sentia raiva, sabia dos humores invernais. Era ano após ano.
A
dor trazia aos seus ossos a lembrança de que a temperaturas abaixo dos 20 graus
é angústia de ex-combatente.
Guerra
na África? Não, jamais poderia lutar pelo que nunca acreditara. O que lhe havia
de ser dito sobre a Nação nunca fizera lá muito sentido. Era um porquê mal arrumado
criado por fazedores de notícia que jamais saiam de suas casas intelectuais
para o que havia de ser vida. E seus ossos sabiam bem.
O
combate de uma guerra imaginária, que resultaria em banqueiros anarquistas,
como aquele que teria sido amigo de Pessoa.
O
queixume de seus ossos o faziam odiar o que tinha restado de guerra. A luta por
banqueiros anarquistas tinha sido inútil. E ele lembrou de um memorial montado
para as vidraças que morreram na guerra.
Lembrou
das suas amigas portuguesas mais queridas, As Pedras, que haviam se refugiado
no Uruguai. As poucas que sobraram após incontáveis perseguições.
Entrei
no táxi. E ele chorava. O que passa contigo? – perguntei.
E
ele, com o olhar perdido pelos transeuntes bêbados, respondeu:
Penso
em Jesus Cristo. As lutas por mais que o tentassem dignificar, nunca tentaram
desprega-lo da cruz do calvário.
Não
entendi, de primeiro, da onde teria surgido Jesus naquela manhã saudosa em que
provavelmente voltaríamos para o lugar que nos vimos pela primeira vez. Ele
nunca havia falado de Jesus Cristo.
Mas
continuou – Tenho pena de vê-lo tão paciente esperando que alguém o salve.
Então
chegamos na ladeira de Campanhã, onde havíamos nos visto pela primeira vez. E
ele, ainda com os olhos d’água, me olhou e disse: o que há de ser inverno senão um
intervalo para que meus ossos pararem de reclamar da dor.
E
não pensa em flores?
Não,
elas ficaram todas com os banqueiros.
terça-feira, 9 de julho de 2013
Minha cólera, à Gabo.
Eu olhava pra ela. E ela olhava a janela.
Mais uma vez cantava uma canção antiga, com sua voz rouca.
Perguntei o que ela tanto olhava, e ela com um sorriso respondeu:
"Quando eu amei, achei que tinha cólera. Não sabia distinguir o que sentia.
O que eu sabia era que ele me deixava doente.
Os sonhos, quer dizer.... os pesadelos, eram todos com ele. E todos me davam febre."
Mas uma canção saia daquele olhar perdido.
E a cólera dói? - perguntei.
Como amor - os olhos vazios me disseram.
É impossível não adoecer, pensei.
Pensei nos braços. Nas pernas. No peito largo e quente.
Senti a febre a queimar minha testa. O que sentia?
Seria cólera? Seria amor?
Deveria ser um demônio possuindo minha alma.
Aquele demônio que nos domina, e se transfigura naquilo que a gente acha que quer.
É posse. Ou doença.
Amor, não.
Então, debrucei-me na janela. E meus olhos também se perderam.
Ao lado dela, perdemos o tempo. Até a doença passar.
Eu me curei primeiro.
E hoje, sinto falta dos tempos da cólera.
terça-feira, 2 de julho de 2013
Não cabe gigantismo
Não quero ser gigante
Quero ser pequenina
Tão pequenina do tamanho
Das formigas, e me alimentar
De gramas e grãos
De tão pequena
Quero ter medo do mar
E enxergar as flores grandes
Muito grandes
Quero ver o universo
Do tamanho de uma poesia
E quero ser menor,
Muito menor que ela
Porque
Gigante não pode cheirar a terra
Não pode sentar no barro.
Gigante não ver as copas das árvores
Não aponta seu dedinho para estrelas
No meu coração pequenino
não cabe gigantismo.
Quero ser uma de muitos pequenos.
Leve, mínima. Humana.
Quero ser pequenina
Tão pequenina do tamanho
Das formigas, e me alimentar
De gramas e grãos
De tão pequena
Quero ter medo do mar
E enxergar as flores grandes
Muito grandes
Quero ver o universo
Do tamanho de uma poesia
E quero ser menor,
Muito menor que ela
Porque
Gigante não pode cheirar a terra
Não pode sentar no barro.
Gigante não ver as copas das árvores
Não aponta seu dedinho para estrelas
No meu coração pequenino
não cabe gigantismo.
Quero ser uma de muitos pequenos.
Leve, mínima. Humana.
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