sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Gaivota


Voava baixo, cortaram-lhe parte da asa. Não poderia voar além mar, sabia que era preciso planar sobre terra firme. Poderia cair.
Qualquer brisa, sabia, poderia. Voar era tudo, mas lhe cortaram parte da asa.

O mar chamava. E ela mais que depressa respondia. Implorava. Não conseguia. Voava até a arrebentação, mas o alto mar era demais pra sua asa cortada. Começou andar. O chão era seu céu e nada mais importava.

Assistia a Gaivotas voarem livres. Longe. Onde só o azul existia. Só o azul. Engolia o sentimento de inveja, e o transformava num desejo de ser igual. Mas, não. Não era igual. Sabia.

Era maciço e permanente. Queria ser aquilo que era. Queria o pedaço que lhe cortaram. Queria poder se sentir inteira. Mas, como é cruel a dor de uma parte arrancada de si. Impossível de conviver.

Jurava não ceder. Precisava voar. E nem que baixo demais. E nem que beijasse o chão. Voaria. E o fez. Mas uma vez sem o sucesso esperado. Presa. Medrosa.

Percebe, então, que não voa, porque o medo é maior que o desejo. Perde-se no desespero do fracasso. Falha porque quer.

Pobre Gaivota com medo de voar, tua asa não acompanha teu desejo. Ou teu desejo não acompanha tua asa.

Pobre Gaivota que não sobe por medo de cair. Que dor deves sentir por não tentar de verdade.

Pare de implorar. E voe.


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ode aos amantes.



Posso vê-los nas manhãs mais aquecidas de outubro lendo jornal enquanto esperam seu pão. Mas o que importa? Pães e notícias não os interessam. Posso ver suas bochechas mudarem de cor rapidamente. E seus olhos, mas do que depressa, ganharem um brilho inexplicável.

Sorrisos repentinos para os jornais às seis da manhã numa padaria cheia numa manhã aquecida de outubro, nas quais os corpos anseiam o sol, a areia e o mar, são explicáveis quando de repente uma sinfonia de corações pulsantes chegam ao meu ouvido. É baixo. Quase imperceptível, tal como os sorrisos e os olhares que não se movem ao ler.

São amantes. Apaixonados. Bobos. Tolos. Vivos.

Uma energia única que só a paixão consegue trazer. Conheço. Já a senti e vivi. Mas não a percebemos quando é em nós. A energia inexplicável do amor, é somente diagnosticada por aqueles que estão a sua volta. Nunca por quem o sente. Mas a verdade é que não existe doença mais maravilhosa que essa.

Quando os sintomas são suspiros, sorrisos, borboletas no estomago e coração acelerado, a conseqüência é sentir-se vivo. Amantes nada mais são do que o ser humano num estágio de vida plena.

Não sou eu a apaixonada. São os outros. Que me afundaram em uma energia maravilhosa em plena segunda-feira.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Amor além da vida


Eu acordei e você estava do meu lado. De cabeça pra baixo no sofá cama que dividíamos para passar noites assistindo a videos idiotas no youtube. Você tava com aquele olhar de quem queria falar alguma coisa, mas não sabia como começar. Você não falou nada. Eu chorei em silêncio. Eu te via, te sentia. E você estava ali, com a coberta que você roubara de mim.

Era um sonho. Você não poderia estar ali. E estava. Apenas me olhando e sorrindo como se estivesse zoando alguém. Coisas que só nós entenderíamos. Eu rezei pra te ver. Queria me despedir, me desculpar. Eu precisava te contar dos homens que beijei, das bebidas que provei, dos filmes que assisti. Eu queria um dia, um minuto que fosse. O teu abraço. A tua risada. A sua alegria constante.

Fiquei com medo de piscar e você sumir. De te perder pra sempre mais uma vez. E eu sinto tanta a tua falta. Eu não queria ver você partir. Ver o meu mundo se despedaçar. Queria te contar que embora as pessoas não entendessem, eu te entendia. E te amava do jeito que você era. Completo. Imperfeito. Maravilhoso.

Eu queria o meu irmão de volta. O pedaço da minha vida que Deus arrancou de mim sem a menor consideração. Eu queria nossas músicas e nossas brigas. E o teu companheirismo incondicional. A admiração mútua que sentíamos um pelo outro. Queria pelo menos mais um minuto das nossas bobeiras e da nossa incompreensão com o mundo.

Você foi embora e eu não consigo desistir de te querer de volta. As vezes eu não entendo como todo mundo pode viver sem você e eu vivo nessa dor que beira o insuportável. Eu só queria por um minuto matar essa saudade que me machuca a cada momento. Do jeito que eu te conheço, e do jeito que você me olha nesse sonho, aposto que diria: Deixa, a vida é assim mesmo. E me falaria uma coisa idiota que me faria rir.

Te peço pra que fique nesse sofá cama comigo, um pouco mais. Preciso ao menos do teu olhar irreal. Da tua sombra. De qualquer coisa que não te deixe morrer em mim. Me perdoe o egoísmo. Não me acorde. Não vá.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Temporada das Flores



Era uma tarde escura do mês de setembro. O mês que os humores melhoram, que o calor começa a aparecer, e as alergias também. Chovia. E eu escutava as gotas baterem nas telhas. Não ventava. E não haviam carros nas ruas. Era apenas o barulho da chuva que caía em notas musicais. Como uma sinfonia, ela falava sem dizer.

Essas tardes chuvosas trazem as lembranças tristes que nós guardamos para julho e agosto. Mas setembro, não. Setembro é o mês de esperar. É o mês que termina o ano, que começam a montar a árvore da Lagoa, e surgem os papos de reveillon ou carnaval. Só que mesmo assim a chuva trouxe todas as lembranças que só são bem vindas com uma boa taça de vinho. Era inverno, mesmo que a primavera já quisesse chegar. E quem é feliz no inverno?

A chuva é fria, fina. Erudita. Nada das batucadas que só os trovões sabem fazer. E já passou o tempo dela. Chegou a hora de esperar. De reclamar do calor, e querer ir a praia todos os dias. Chegou a horas das flores, das tardes de sol a pino. Dos sorrisos e das noites frescas. Dos chinelos. Das lembranças darem lugar às esperanças.

Chega logo Primavera, esse inverno tá me matando.

domingo, 11 de setembro de 2011

Não ser.



Eu parei sem perceber que tinha parado. O lugar era novo. Estranho. Quente. Esperei um pouco. Até que comecei a pensar coisas sem sentido. Era cedo e eu não precisava ser. Era o mar na minha frente. Que não era. Assim como eu não precisava ser. Era um sonho lindo. Ou era a primeira vez que a realidade sorria pra mim. Eu parei e sabia que tinha parado.

Não sei dizer o que via. Mas era bonito. Acho que me vi, talvez. Ou o mar. Não sei. Sentia que precisava me mexer. Mas não queria. Se eu me mexesse eu seria novamente. Precisava não ser por um tempo. E já não era mais cedo. A maré já tinha subido e molhava os meu pés. Não me mexerei. As ondas me escutaram e batiam suavemente no meu tornozelo.

Ainda preciso não ser. Pelo menos mais um pouco. Eu não disse uma palavra enquanto estive parada. Mas me escutaram como se pela primeira vez eu fosse reconhecida como um ser. Eu sou, novamente. Não sei o que. Então, me mexi porque já era. O sonho terminaria. A realidade não iria mais sorrir.

Caminhei mais um pouco com vontade de parar mais um vez. Não podia. Já era tarde. O céu se pintara de rosa, lilás e vermelho. E eu sabia que o negro viria iluminado pelo prata. O céu sempre fora. Eu não. O sol queria dormir. A lua acordar. E eu só queria parar. Só mais um pouco. Esperem, não durma. Não acorde. E de repente nem um, nem outro se encontrava no céu. Eles também pararam.

Enquanto todas aqueles tons iluminavam a água e não se via astro nenhum. Eu decidir parar. E tentar não ser novamente. Mas era rápido demais. Eu parei, eu quando quase não era, voltei a ser. Já era noite. E eu precisava ir. Ser.


Foto: Julia Maria - Pipa, RN

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo

Senta-te, pegue tua guitarra e meu porto. Que hoje cantaremos um fado.




As ruas de Lisboa cheiram a ti. Tem teu gosto e toda a gente sabe que meu canto tem teu nome. Tu te banhaste no meu Tejo e contaminaste a minha cidade, a minha alma.
Posso te olhar neste céu estrelado, e cá pertinho a brisa que vem do mar e sobe a ladeira congela meu rosto. És tu, amor meu, que atravessa mares para encontrar esta rapariga que canta a te esperar.

Sabes que meus sentimentos estão guardados num cantinho de areia em frente ao porto que irás chegar. Tu os pegará, há de aquecê-los do frio, e os trará de volta para mim.
Ah Marinheiro, como pudeste partir? Como um lusíada de uma história sem sentido tu roubaste tudo o que há em mim. Este mar, este céu, esta lua, estas ruas, este vinho, amor meu, tu levaste o sentido de tudo.

O vento castiga meu coração, as ondas o afogam minuto após minuto. Recuso-me a sair daqui. Espero-te, Andarilho dos Sete Mares. Mares que desejo, ardente, frio, azul, profundo.
Entras pelo meu Tejo, meu Marinheiro. Chega-te a tua cidade, a tua amada.

Amargura-me tua ausência, e amargura maior é a tua presença em tudo o que amo de minha terra lusitana. Choro ao cantar este fado, onde todas as notas são ondas deste mar em que navegas, onde cada palavra é teu nome. E quando Lisboa silencia, rio. Ao escutar ondas mais fortes, alucinar a tua imagem vinda no teu veleiro. Chegando junto a mim.

Pare a guitarra. Acabou o porto. Levanta-te.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Como cansa.

Ai, como cansa acordar as 5 e dormir e 23.
Cansa ser obrigado a ter soluções pra tudo e não poder pensar.
Cansa ser rápido. E certeiro. Cansa não poder pensar.
O que mais me consome é não poder parar. É claro que o ponteiro dos minutos estão passando mais depressa. O tempo é como uma criança que cresce longe, quando a gente para pra olhar tudo já mudou. E a mudança também cansa.

É preciso ter trabalho, é preciso ter força e forma. É preciso, é preciso, é preciso.
Ahhhhh... eu quero olhar pro lado. E andar nas ruas às 3 da tarde. E assistir ao sol nascer numa terça-feira.
Quem inventou tudo isso? Quem disse que tem que ser tudo tão rápido?

Eu quero um mundo devagar... eu quero dias com 24 horas sentidas. Não quero ser obrigada a saber. Quero ter tempo pra pensar.

terça-feira, 21 de junho de 2011

A parede vermelha.

Naquela parede vermelha se escondia o teu sorriso. Por de trás daquela tinta ainda sobrava um pouco do afeto. E eu fiz questão de pintar de vermelho. O branco te guardava, como eu. Imaculado. Precisa de pintar da minha cor favorita. Para saber que existe o que é melhor que você. O que é novo e incompleto. O que não é imaculado e perfeito. Sujo, triste, pobre. Podre. Como a realidade. Era preciso pintar aquela parede. Três mãos de tinta rubra. Massa corrida. E eu ainda sentia o seu afeto.

Era preciso ir embora daquela parede. Um novo lugar, onde não exista o teu afeto. Guardado o teu afeto naquela parede, apagado pelo vermelho. E eu iria esquecer do teu sorriso. Seria a última vez. E nossas cabeças. Encostadas na parede vermelha. Mas as paredes não guardam sentimentos. Não guardam segredos. Nem escutam lamentos. Não.

Ainda haverá o teu afeto e to teu sorriso. Mesmo em uma nova parede. Mesmo que ela seja azul ou amarela. E mesmo que não haja parede. Haverá o teu afeto.


domingo, 27 de março de 2011

Drama!


E como eles podem olhar nos meus olhos e não acreditarem em mim?
Atriz, talvez sim. Mas atuar não é mentir. Atuar é apenas viver dramaticamente.
E o que é o drama senão a arte de viver. Afinal, viver é restrito a cinco funções vitais. Pelo menos para todos os outros seres é assim. Nós somos diferentes. Nós atuamos, fingimos que não somos meros mortais, efêmeros e insignificantes.

Chaplin disse que a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Mas eu discordo. Nós ensaiamos o tempo inteiro. E a maioria das vezes ninguém assiste nosso show. O que importa ser ator principal de um palco que não tem platéia? O que é o drama sem seu merecido reconhecimento? Pra quem eu atuo? Passo meus dias escrevendo roteiros, revisando-os, ensaiando-os. E muitas vezes recorro aos improvisos. Desse jeito ainda consigo mais drama.
A aventura, o romance, o terror, a comédia. Todos são dramas. Com suas peculiaridades.

E se depois de eu explicar isso tudo, ainda não acreditarem em mim? Um ator precisa de sua audiência. E não pode desagradar. Cada um escolhe seu público e como se apresentar a ele. E do mesmo jeito que se escolhe com o que se importar, se sabe que essa é a mediação. Que esse é seu diretor. Seja lá o que for, nosso público dá direção ao nosso espetáculo. E se ele não acreditar na nossa atuação, fracassamos.

O mais interessante de tudo isso, é possível mudar de escolha. É possível mudar de gênero.
O drama todo é que é possível mudar, se quisermos. E se não quisermos, podemos dramatizar!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Acaso.

É seco e quente. E parece não ter fim.
Beijo. O teu. O meu. O nosso.
Tua mão pesada escorre sobre o meu corpo.
Domada pela sua vontade de me castigar. Teu ciúme.
Eu gosto. Minha vaidade.
Me deixe. Me beije.
Não te quero.
É molhado e frio. Acaba.
Não existem mais mãos.
Você se perde. Me perde.
Acontece. Desacontece.
Sua mão volta ao meu corpo.
Leve. Medrosa.
Você não me beija.
Não se deixa. Não me ama.
Eu me apaixono pelo que você não é.
E transfiguro aquilo em você.
Traduzindo todas as suas palavras.
Para o que eu quero.
Se deixe ser o que eu te imagino.
Mate o resto.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Um porto...

Eu fiquei olhando pela aquela janela, não sei quanto tempo.
Fiquei olhando o vazio, o tudo, o nada que é o mar.
Quanto mais eu olhava, mais eu sabia que eu não fazia ideia do que eu era.
Não me encontrei no mar.
Mas te vi. Você estava no meio daquele azul, a deriva.
Perdido, a procura de um cais. Um cais que não era eu.
Te ofereci um porto, não tão seguro como gostaria. Mas, apenas um lugar para repousar.
Me procurei em você.
Você ancorou perto de mim. Mas, as ondas te impediram de chegar.
Meu porto ficou vazio.
Do deck eu podia assistir o teu balanço.
Sentia o vento forte e as gotas da chuva. E era a promessa que um dia a calmaria ia chegar.
Talvez não hoje, mas até as tempestades cansam.
E quem sabe assim você aporta aqui.