segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A menina que chorava pela árvore


Eu andava por um lindo campo quando vi uma menina chorando.
Ela tinha a pele avermelhada, o olho levemente puxado, inchadinho de tanto chorar. O que passa? – perguntei acariciando seus cabelos negros e lisos.
Ela me abraçou, e soluçava brutalmente.
Olhei ao redor, procurava nela algum sinal de ferimento.
Você está machucada? O que aconteceu? Me conta, quero te ajudar!
Ela chorava, chorava e me abraçava forte. E então apontou para onde umas árvores caídas estragavam a paisagem. Onde algumas máquinas descoloriam os tons infinitos de Pachamama.
Eu a coloquei em meus braços e fui caminhando.
Então, ela parou de chorar. Ela não tinha mais que cinco, seis anos. Agarrou no meu pescoço e balbuciou algo que não consegui entender.
Eu sentei com ela ainda no colo, e lhe disse: Agora que você está mais calma, me conta o que aconteceu?
Ela me olhou, na alma, com os olhos ainda molhados.
Eles mataram minha árvore – ela me respondeu e voltou a chorar.
A sua árvore? – eu perguntei sem entender muito bem o que ela queria dizer.
Sim, eu tinha uma árvore, o nome dela era Guirázinha. E ela me carregava pro céu. Meu pai me ensinou a subir nela, mas hoje eles derrubaram ela. Não sei mais  viver. Ela era a minha melhor amiga. – e desabou a chorar.

Tirei da mochila um lenço.

Vamos secar suas lágrimas, pequena? – perguntei-lhe, segurando as minhas.

Ela me abraçou. E disse, como dizem as crianças que são apenas crianças:
Você pode secar, mas eu vou chorar de novo. 

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Há humanidade em caminhar


Hoje eu vou escrever para os andarilhos, para as pessoas que caminham para alcançar as estrelas.
A verdade é que não sei escrever, mas há uma razão e um sentido para faze-lo.
No meu coração o que eu falo faz sentido, porque tudo isso me deixa mais próximo daquilo que eu busco.
Vivi durante quinze dias em Buenos Aires, não viajei para Buenos Aires. Vivi quinze dias aqui. E cheguei a conclusão que lar é aquilo que a gente sente, é o que a gente olha, é o que a gente é diante do outro, do que nos cerca.
Lar é a natureza, e não há uma natureza humana, há natureza, apenas.
Lar é o que te encanta, casa é o que você ama.
Meu lar são os caminhos que eu tomo. E os sons que me guiam até uma nova estrada. Se eu aprendi alguma coisas nesses dias aqui, foi isso.
Eu sou a minha casa, o mundo é a minha casa. E tudo que se move sou eu.
Pertenço ao mundo e o mundo todo me pertence.  E pertencimento é aquilo que você sente quando não existe o outro, quando você vira todas as pessoas do mundo. Só a partir daí, pode existir compaixão.
Hoje eu sou a mãe do Douglas e a menininha que brinca com as plantas no jardim.
Mas não posso ser um policial que bate em quem tem sonhos.
Há algumas coisas que nos pertencem, outras devemos abandonar.
Nas ruas há todo tipo de coisa, boas e ruins. Há o que nos liberta e nos aprisiona.
Mas só olhando e sentindo as ruas podemos pertencer a todo tipo de gente.
Isso não significa compartilhar de suas maldades e de suas mentiras.
O meu lar é esse mundo novo que eu ajudo a construir.
Não levo comigo as mazelas dele.
Denuncio-as, para acabar com elas.
Caminho, para encontrar estrelas.
E sigo, caminhando, cantando, falando, chorando.
Sendo. Humana. Demasiada. Humana. 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Se faz caminho ao andar

Foto: Julia Maria Ferreira 

Não sabia caminhar 
Aprendi a correr, 
a andar, até a nadar
Mas caminhar, 
nunca. 

Quantos passos dei
depois que partiste? 
Aprendi a caminhar
para longe do que era,
e do que poderia ter sido. 

Vi, despida, 
minha face no 
reflexo da rua. 

E ela, senhora mui agradável, 
me deu suas calçadas para 
caminhar. 

Talvez as estradas o tivessem
feito. 
Talvez, o façam. 

Quantos passos dei 
para longe de ti? 
Quantos passos dei 
para perto de mim? 

A rua me ensinou a 
caminhar. 
Hoje já não corro 
mais.

Sou uma caminhadora. 
Una caminante. 

E como diz a velha canção: 

Caminante no hay camino
Se hace camino al andar 



sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Os sonhos de Mariana


Mariana olhava a o cristo na janela, comia um sanduíche e admirava o trânsito que a acordara naquele dia ensolarado às 7:30 da manhã. Talvez não tenha sido o trânsito que a tenha acordado, talvez tenha sido seus sonhos.
Mariana sonhava com a desordem pública, sonhava com os camelôs bebendo cerveja ao meio-dia, e os guardas municipais que já não tinham posto algum vagabundeavam ao som de funk.
Sonhava com mulheres andando na rua confortavelmente, sem medo.
Foi então que um carro de polícia apareceu no sonho.
Um homem alto, negro, bonito e bem educado saiu do carro.
- A senhora está sonhando com desordem, Dona Mariana?
- Não, senhor. Estou sonhando com a utopia.
- Não queira me enganar.
- Não, senhor. Posso te explicar melhor!
- A senhora está presa por desobediência e incitação ao caos.
- Mas, mas... senhor o caos, ele é o gerador da nova...
- Silêncio, a senhora tem o direito de ficar calada.
Mariana acordou assustada, levantou olhou a claridade que vinha da sua janela e sentiu o suor na sua cama.
Tive um pesadelo horrível - pensou.
Foi até a cozinha na solidão que lhe fazia companhia. Não podia crer que seria presa por sonhar, nem em seus pesadelos sem sentido, onde macacos viravam freiras, isso era possível.
Eu não quero sonhar isso, disse Mariana ao queijo que cortara.
O queijo não respondeu.

O trânsito ia aumentando e ela ficava imóvel na janela.
Será que foi sonho?
Será que o universo quer me dizer alguma coisa?
Mas eu nem acredito em forças ocultas do universo, o que é que me deu?

O painel de trânsito mostrou:
Utopia: 128339740840943943962449 horas e 15 minutos

Então, ela riu e disse:
Tá mais rápido que chegar na Barra. 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Conto de uma esquina renascida: Araújo Porto Alegre e Rio Branco



Sentou na calçada e acendeu um cigarro. Olhava perdida os focos de fogo e fumaça que atravessavam a longa via. Pensou em chorar, mas preferiu saborear o cigarro e guardou o choro. Olhava incrédula o que via.
O povo se vingara – pensou. Se vingara do que? Das mortes? Da seca? Da fome?
Olhou a máscara que tinha tirado. E deu um trago.
Enquanto a fumaça menos tóxica descia a garganta sentiu alívio. É melhor que gás, e sorriu.

Talvez o povo não estivesse ali por vingança - ela pensava enquanto tentava distinguir a fumaça do seu cigarro e das bombas que puniam as poucas árvores que resistiam a outras fumaças tóxicas poluentes.
Eles estão aqui porque querem mudanças, porque enxergam que este mundo está grávido de um outro mundo que luta pra nascer. E essas são as dores do parto desse novo mundo.

Por isso, não temia os barulhos que vinham de todos os lados. Nem piscava, fumava apenas como se a rua pudesse protegê-la.
Um mascarado passou, parou e perguntou: Você tá bem? 
Ela não sabia, não mesmo. Poderia ter machucado algum lugar, mas a adrenalina ainda não a permitia sentir. Poderia ter uma grande ferida sangrando internamente. Poderia ter um coração partido, mas naquele momento ainda era cedo pra saber. Então, ela respondeu: Amanhã saberei. Quer um cigarro?
O menino respondeu, sorrindo, como se entendesse exatamente o que ela sentia:
Não fumo não, brigado!! Vamos sair daqui, não fica sozinha não, é perigoso.

Ela sabia que era. Sabia que era preciso levantar, mas sentar na rua, com uma máscara no colo, fumando um cigarro era essencial pra vida dela naquela hora. As gotas de chuva caiam levemente quase não molhava nada.
E ela sabia que o céu encontrara o choro que ela tinha guardado.

Vou ficar aqui, amigo! To fazendo um parto.

Ele riu, e disse: Vou sentar do seu lado e te ajudar então.

Os dois sentaram na calçada e assistiam as explosões. Juntos pensaram, isso é comemoração. Uma nova era tá nascendo. 

domingo, 6 de outubro de 2013

A invisibilidade de onde vem a chuva


As gotas caem na terra. E o cheiro me lembrou a infância.
Poderia chover mais agora, talvez lavasse essas manchas de mim.
Quero deitar no chão da rua e sentir a água em mim.
Olhar as gotas ficarem gigantes depois de surgirem da invisibilidade.
As flores começam a sorrir, matam sua sede, e crescem nessa primavera
Que não quer deixar de ser inverno.
O céu tá indeciso. Não sabe se é azul ou cinza. E chove, como quem não sabe se ri ou se chora.
Vou deitar no chão da rua e esperar tudo isso ir embora.
Talvez o céu caia com a chuva, e eu acorde.
Talvez eu me enxergue voando por aí, saindo da invisibilidade.
Sendo chuva.